quinta-feira, agosto 03, 2017

Sebastyan & Drye

Eu escrevi isso em...1998 ou 1999. Achei que isso tinha se perdido para sempre com o fim do GeoCities, até que recentemente eu encontrei o Web Archive Project, que considera o conteúdo do GeoCities importante para a história da internet (com certeza é relevante para a história do web design). Uma boa parte do meu antigo site, que durou de 01/08/2000 até 01/06/2004, estava dispinível no geocities.ws.

Na época muita gente elogiou esse conto. Eu não tenho coragem de reler. Corro os olhos por ele, eu lembro perfeitamente a história e os perosnagens mas não leio as palavras, não tenho coragem. Tenho certeza que a lembrança tem um sabor muito melhor que a realidade (e que eu não sou a mesma pessoa de 18 anos atras).
Na verdade eu só vou postar justmente porque não tive coragem de reler. Eu encontrei vários textos, e eu li todos, e me envergonhei de cada um deles :P ...mas dizem que escrever é assim mesmo "a gente escreve para se arrepender depois". Deixo aqui mais uma cópia para a internet, para quem é como eu fui um dia: Divirtam-se (ou chorem muito).





Sebastyan & Drye 




Sebastyan entrou no grande salão pela porta principal, de cabeça erguida como se fosse um dos membros mais nobres. Nobre?! Hah! Não, isso em verdade nunca fora, e nem estava próximo de ser, mas de fato era um dos mais respeitados. A capa negra cobria seus ombros estendendo-se até seus pés deixando à vista apenas o peitoral da armadura negra que apenas em ocasiões raras, como esta, usava. Logo atrás , esgueirando-se sob suas sombras, vinha sua serva, de cabeça baixa e passos submissos, seguindo-o indiferente a qualquer um dos outros ali presentes. A capa e capuz lhe cobriam completamente o corpo e a cabeça, deixando o rosto envolto em sombras, naquele ambiente que já era intencionalmente mal iluminado. 
Sebastyan mal havia posto seus pés no tapete vermelho que se distribuía entre as filas daquele antigo e grande teatro e já ouvia os comentários dos outros, que sussurravam entre eles: 
-Então é este? 
-Sim, o traidor que confiou nosso segredo a um humano. 
-Ora, ora... isso é impossível. 
-Tenho certeza! Não é uma de nós, é humana. 
-Amigos, sejamos coerentes, logo o pequeno Sebastyan completará seu primeiro centenário entre nós, a serva é pouco mais jovem, meditem a respeito. - disse um estranho alto que se aproximou de Sebastyan, e continuou - Vejam bem - ele ergueu a mão em direção à serva. - Não acham que esses anos teriam estragado as curvas se ela não fosse uma imortal. 
Sebastyan, com um reflexo rápido, impediu o estranho de tocá-la . 
Os outros riram e continuaram discutindo se a serva de Sebastyan era ou não uma humana, e logo distraíram-se imaginando quais as punições lhes seriam impostas se isso fosse verdade.


O teatro tinha forma de um semi círculo, que se fechava ao redor de um palco para o qual os tapetes vermelhos se dirigiam. Sebastyan logo tomou seu lugar praticamente junto ao palco. E, também, logo o silêncio se fez. Ante eles, no meio do palco, surgiu uma figura que era de todos conhecida: o "velho" Richard. Velho por um motivo especial, pois sua aparência não era de alguém com mais de 25 anos. 
Ele iniciou a noite lendo uma carta numa língua estranha e recordando as normas às quais todos ali dentro deveriam submeter-se, e aquelas normas, com certeza, humano algum seria capaz de obedecer. 
Sebastyan achou tudo bobagem, o que ele dizia já era sabido de todos, não havia necessidade de repetição tão freqüente, por isso mesmo ele raramente atendia aos chamados para essas reuniões. 
Richard encerrou seu discurso e, com um sinal, pegou a cadeira que estava sobre o palco esperando-o. Virou-a com as costas para o publico sentando-se como se montasse um animal, então passou a palavra aos que antes o ouviam. 
Um se levantou com voz e olhar macabro: 
-Lord Richard, nós, por tempos, temos sustentado uma suspeita que pode ser maléfica a família, mesmo porque uma suspeita sempre poder ser comprovada e nesse caso atitudes deveriam ser tomadas... 
-Sem rodeios, vá logo ao assunto! - ordenou Richard 
-Eis que os irmão desconfiam da existência de um humano entre nós. 
-Ahahahahaha, e como seria isso possível? Humano algum que aqui estivesse agora já nos teria saciado a Fome. 
-Então aí reside o problema, esse humano estaria sob a proteção de um de nós. Um traidor! 
-Hum...interessante a suspeita, a respeito de quem seria? 
-Ihihi, não me leve a mal irmão Sebastyan mas é de sua serva que suspeitamos. 
Richard mirou Sebastyan e perguntou-lhe: 
-Algo a dizer? 
-Esta serva eu tenho, assim como tantos outros servos, e garanto ao senhor Eliot que foram todos um dia humanos, mas há algum tempo não respiram. 
Os olhares se voltaram para a serva numa analise rápida , logo Richard pois-se a rir e rapidamente todos o acompanharam. 
-Ora, ora Eliot, de onde tiraste essa idéia tão absurda? 
-Senhor!!! Não é só minha essa suspeita. 
Então, lá do fundo, alguém gritou: 
-Sente-se e aquiete-se malkaviano louco. 
Eliot sentou-se murmurando: "Louco??? Unft" 
Então do meio da platéia surgiu um novo rosto: 
-Peço o consentimento aos irmão para pronunciar-me. 
-Pois sim - respondeu Richard juntamente com um movimento de cabeça. 
-Vejo que não dão créditos às palavras de Eliot, mas existem ainda outros fatos a se analisar a respeito disso. Desconfianças não se geram sem motivos, acredito. E Sebastyan nunca está entre nós - subiu o tom de voz para uma palavra mais enérgica- . Além disso, ele é jovem ainda, quem responde por ele??? 
Fez-se silêncio enquanto Richand e os demais olhavam à volta esperando que alguém falasse por Sebastyan, mas foi ele mesmo que se levantou: 
-Eu falo por mim mesmo, e é sabido de todos os senhores que nunca me faltou responsabilidade para isso. 
-Pois é essa sua responsabilidade que está à prova agora. - retrucou o outro. 
Richard apenas observava e o outro insistiu: 
-Quem responde por você? Quem é seu criador??? 
-Eu respondo por mim mesmo, foi assim e para sempre será assim. 
Por uns instantes seu rival hesitou ante a resposta tão fria e rápida mas logo tomou forças e continuou: 
-Então és uma criança abandonada!?! 
-Ah! É claro que não, conheço e respeito todas as suas regras e normas, não preciso de ensinamento algum, já sei viver como um de vocês. Não sou uma criança, mas tenho algumas para cuidar. Se me derem licença, devo retirar-me. 
-Viu! Vais fugir!?! O que teme! 
Sebastyan viu o sinal que Richard lhe fez, para que esperasse, então não tardou em responder. 
-Fugir? Não, apenas por-me a salvo para que sua insanidade não me afete. 
Os outros riram e o que até então falava saltou investindo contra Sebastyan que já estava de pé. 
Mais que depressa a serva surgiu entre eles preparando-se para proteger seu mestre. Mas nada precisou fazer, foi o próprio Richard quem terminou o assunto com um movimento rápido ordenando que se encerrasse o ataque. 
-Resolveremos isso de forma pacífica e racional. - anunciou Richard - Sebastyan, traga sua serva na próxima reunião, eu terei uma provação para ela. 
Sebastyan moveu a cabeça e preparava-se para ir quando outro interveio: 
-Mas Lord Richard! Até a próxima reunião ele poderá trocar as servas ou mesmo abraçá-la. 
-Sim, parece que essa duvida realmente lhes aflige. Mandemos que se faça o teste agora mesmo. 
Richard fez um sinal para o seu servo que assistia a tudo escondido num canto do palco. 
-Isso mesmo Lord Richard! - o estranho disse aproximando-se de Sebastyan e sua serva – Averigüemos de que se trata. 
E mais uma vez Sebastyan interferiu para que não a tocassem. 
-Por que tanto egoísmo? É apenas serva e não amante. 
-Mas é MINHA serva, e sem concentimento não permitirei que a toquem.


O servo retornou trazendo um garoto humano que não tinha mais que dezesseis anos. Richard ordenou que Sebastyan e sua serva subissem ao palco e ofereceu o garoto a serva. Ela imediatamente tomou-lhe o braço mordendo-o pronfundamente e sugando sangue. Sebastyan fechou os olhos com um sorriso sarcástico de vencedor. Richard mandou que ela parasse, e ela obedeceu deixando o garoto desacordado no chão. 
-Quem quer examinar? - Richard perguntou 
-EU! - o mesmo estranho que confrontava-se com Sebastyan se ofereceu 
Ele se aproximou da vítima e analisou friamente... realmente...as marcas da mordida já passavam quase desapercebido e sumiam com rapidez. A serva tirou dos lábios o pouco sangue que havia escorrido para que todos vissem que ela tinha realmente bebido. 
-Bem, acho que está bastante provado, não só bebeu dele como fez sumir as marcas, me parece evidente que não se trata de uma humana. 
-Pelo menos não uma humana comum. - alguém completou, mas não apareceu para continuar o raciocínio. 
Sebastyan retirou-se irritado. Havia perdido toda a noite naquela palhaçada, era sua serva: humana ou não! A quem além dele caberia saber ou responder por ela? 
Foi para casa nervoso, não tivera tempo de caçar, alimentar-se ou tratar de seus assuntos. Mas tentava ser otimista, ao menos ninguém mais o perturbaria por causa de seus servos. Seus??? Hahaha, aquela era a única. 
Desperto por esse pensamento, Sebastyan olhou para traz e viu a serva seguindo-o, fielmente, de cabeça baixa como vem fazendo por quase cem anos. 
Adentraram a casa, por sorte escura, afinal, logo amanheceria. Sebastyan tirou a capa e o peitoril e logo notou-se que a aparência robusta e forte devia-se apenas ao traje. Se bem que notava-se quem em vida havia sido realmente forte, e ainda o era, mas agora por outros meios. 
Drye recolheu a capa e a armadura guardando-as no local devido. Depois, postou-se ao lado de seu amo na sala, esperando suas ordens, que não vieram. Passou algumas horas ali de pé , ao lado da poltrona onde Sebastyan lia. Por duas vezes ele acenou pra que ela se sentasse, mas Drye insistia em ficar de pé, pouco atras da poltrona, como uma serva, como um guardião. 
Sebastyan tinha também outro servo; Night um lince negro que chegara junto com Drye, que ele alimentou com seu sangue mas que ele não entendia a passividade anterior a isso. 
Por fim, pouco antes de clarear o dia, ele se recolheu em seus aposentos. A serva então arrumou a pouca bagunça daquela casa vazia e recolheu-se. 


***** 
Sebastyan acordou com um ruído mas manteve os olhos fechados como se ainda dormisse. Era dia, não sabia ao certo que horas, mas o quarto estava emerso em trevas como se fosse ainda a mais negra noite. Assim mesmo ele pode ver Drye esgueirando-se pelo quarto, permaneceu em silêncio. Aguardando. 
Drye ajoelhou-se ao lado da cama. Passou suas mãos pelas dele, rápida e suavemente, e prosseguiu... colocando as mãos por sob a camisa que o mestre usava... Sebastyan sentou-se na cama de vagar e puxou a serva para cima. Mesmo sem a túnica, ela baixava a cabeça ante ele. Mas estava ainda usando um vestido levemente transparente...era bonita...tinha o contorno perfeito ao qual qualquer artista ou modelo invejariam. Ainda fosse vivo, Sebastyan a teria para sempre em seus devaneios. Agora?!?! 
Agora a aceitava friamente, por ter uma vaga lembrança do que ela talvez sentisse. Decidiu comportar-se como homem ao menos dessa vez, devia-lhe ser grato pela servidão da qual ele sabia que não era merecedor. 
Drye deixou o vestido escorregar pelo corpo, Sebastyan observava, gostaria de sentir algo , como sentiu muitos anos atrás. 
A serva acariciou-lhe o rosto e os ombros fazendo com que se deitasse lentamente, cobrindo-o de beijos, embora poucos deles fossem respondidos da mesma forma. Ela deitou-se junto ao mestre, trazendo-lhe para junto de seu corpo, em silêncio, implorando-lhe atenção e carinho. Sebastyan virou-se cobrindo-a com seu corpo, passou os dedos pelos longos cabelos da serva que fechou os olhos de desejo e contentamento. 
Drye acariciava-lhe os cabelos e beijava-o com toda a doçura que podia fazê-lo, era , em demasia, zelosa com aquele que diziam ser seu amo. 
Ela trouxe com cuidado o rosto do mestre para junto do seu, beijando-lhe os lábios, mas ele não permitiu que se demorasse. Ia descendo lentamente no corpo da serva, seu rosto...pescoço...peito...ela levantou-se suavemente...seios... Sebastyan parou, e após um último beijo mordeu-a. Drye observava-o ignorando a dor, passou os dedos pelos cabelos negros do mestre e esboçou um sorriso como uma mãe que amamenta o próprio filho. Sebastyan demorou-se, deixou o sangue fluir sentindo a respiração ainda ofegante da serva. De repente, levantou-se, cobriu-se de negro e saiu, deixando-a sozinha sem qualquer explicação. 
Ela enrolou-se nos lençóis um tanto constrangida...talvez também chateada, mas com a consciência tranqüila , se era seu dever cuidar do amo que havia passado a noite em jejum, isso, ela faria às custas da própria vida se assim se fizesse necessário. Deixou-se abraçada a um travesseiro, como se fosse seu senhor.


Sebastyan passou pela cozinha, viu as frutas sobre a mesa, vistosas, aquelas com certeza Drye mantinha apenas para agradar Night ou outros animais. Observou, tentado a mais uma vez tomar uma em suas mãos, mas sabia que não resolveriam, não eram capazes de lhe curar a Fome e, muito pelo contrario, só o fariam passar mal. 
Um velho vampiro entrou pela porta dos fundos (da cozinha) assustando-o enquando dizia: 
-Ehehe, jovem Sebastyan, como foi seu dia? Dormiu bem? 
-Bolas, me deixe velho! - ele reclamou em resposta 
O velho se aproximou, tocando-o:
-Você não esta mais vivo criança, e não adianta se irritar que mal és capaz de sentir ódio, quem dira alguma outra coisa que você eventualmente tenha procurado esse dia. - o velho riu-se 
Sebastyan logo afastou-se. Sentou em sua poltrona imaginando por que alguém abraçaria um humano daqueles? Sim, por que obviamente ele já era assim velho e louco quando foi abraçado, afinal, os vampiros não envelhecem. Logo distraiu-se pensando em Drye... quem a teria abraçado? Porque ele se lembrava que na hora H não havia sido capaz de fazê-lo. E realmente, ela não envelhecia, bebeu o sangue no dia anterior, embora ela não fosse capaz de sumir com as cicatrizes e para isso contasse sempre com ajuda dele. Se ela era também um vampiro, por que aquele comportamento? Sentiria coisas que ele não sentia??? 
Voou-lhe pela mente uma lembrança vaga de quando eram ambos vivos....sim, há muitos anos....muitos... muitos para os homens, muito poucos para os imortais. 
A serva surgiu à porta do corredor já com os ombros , a cabeça e todo o resto completamente ocultos nos finos panos negros. Ficou a alguns metros esperando ordens.


Sebastyan levantou-se da poltrona onde meditava e caminhou em direção à porta, a serva seguia-o mas, com um sinal, ele a fez parar: 
-Fique aqui. Saia para alimentar-se se for preciso, mas logo retorne. Peça a Night e ao velho que não se afastem. 
Ela moveu a cabeça afirmativamente , sem perguntar os motivos.

Sebastyan saiu, caminhou na noite escura sem qualquer problema, foi até um pequeno bosque junto à cidade e esperou. Mas não esperou muito, logo uma outra figura surgiu junto a ele. 
-Olá "amigo" Sebastyan. 
-Andrew...está atrasado. 
-Ora, me perdoe a deselegância...certas, como posso dizer, frescuras, cabem melhor a tua espécie do que a minha. 
Sebastyan calou-se ouvindo uns ruídos e logo encontrou, com olhar ágil, o casal de humanos descuidados que se aventuravam no bosque àquela hora. Ignorou-os, a Fome não lhe havia tomado ainda depois dos favores de Drye. 
-Mas me diga, você é um vampiro tão jovem, será que realmente sabe tudo que é preciso? 
-Mas é claro. 
-Quem é teu criador? 
-Eu não tenho criador, sou senhor de mim mesmo. 
-Hã?!? Rejeitas tuas raízes??? Então é um dos anarquistas que agora crescem entre vocês!?! Como posso confiar em ti se nem os de tua espécie confiam? Vais me dizer que és vegetariano, também? 
-Pare de bobagens, lobo! Vamos logo conversar em outro local. 
-Oh, mas claro...espero que você não se importe que eu termine minha refeição aqui, antes de irmos. 
-O quê? 
Andrew sumiu sobre uma árvore e retornou pouco depois. A forma ainda bem próxima à humana, mas com garras e presas bastante evidentes. Trouxe um corpo nos dentes, era uma criança, uma garotinha que não aparentava ter mais de dez anos, e continuou a devorar-lhe a carne com tremenda voracidade. Sebastyan ouvia alguns dos ossos menores partirem-se com as mordidas vorazes e logo viu o sangue começar a escorrer, o lobo então perguntou: 
-Está servido? 
Sebastyan respondeu com asco e nojo: 
-Seu monstro! É sou uma criança! 
-É, só uma, uma pena... não será suficiente para esse noite. 
O vampiro encarou-o com desprezo e ódio. 
-Sebastyan, és jovem mesmo, ainda tão apegado aos fracos humanos. É só uma criança como qualquer outra, não é tua filha. Ehehehe - o lobo riu sarcástico - não se preocupe, eu não comeria um filhote seu, você nem poderia ter um mesmo. - Huahaha. 
Sebastyan socou-lhe o rosto derrubando-o: 
-Como tens coragem??? 
-Nós bem sabemos que tua espécie comete atrocidades maiores!!! - disse o lobo levantando-se e bradando - Vê isso?!? - disse apontando para o corpo inerte e destruído - está morta! Morta de verdade! Completamente! Não chora, não sente dor, NADA! Ao contrario de vocês, mortos vivos eternos e sem razão nenhuma. Existem para a desgraça dos outros e sua própria! Não sentem! Não respiram! Não comem! Nada! Nada! São mortos, inúteis incapazes de qualquer prazer ou felicidade. 
Sebastyan ficou calado ante a ira e o discurso do lobo, este então continuou: 
-Nós vivemos! Não como os humanos que você parece invejar, mas temos nossos próprios filhotes! Comemos o que queremos! Nosso coração bate - disse levando o punho fechado ao peito - Temos mais direitos nesse mundo que vocês! Vocês estão aqui por algum erro, esse não é seu mundo. Esse mundo é dos vivos! Temos uma vida mais longa que a dos humanos, mas podemos morrer um dia. Você nem isso pode, a única coisa de que és capaz é rogar tua sina e morte eterna a outros. 
O lobo calou-se cravando os dentes no que sobrou do corpo destruído e rasgando em dois pedaços. Então notou Sebastyan longe, com o pensamento perdido. "Essa é minha chance, se eu voltar tendo capturado um vampiro me aceitarão no grupo novamente, com certeza". 
Andrew saltou sobre Sebastyan, atingindo-o, pronto para abocanhá-lo já com a forma animal se sobressaindo a humana. Sebastyan cambaleou ante o ataque, era fraco, mas com algum esforço pode livrar-se do lobo e de suas presas e ainda assim ele não conseguia se levantar...foram muitos ferimentos. Sebastyan logo os curaria se o ataque acabasse, mas Andrew não tinha intenções de desistir e novamente correu saltando sobre ele. 
Inesperadamente um vulto negro saltou em direção a Andrew, desviando-o de Sebastyan. Drye aproximou-se de seu amo ajudando-o a se levantar, enquanto Night e o lobo lutavam ferozmente. 
Sebastyan logo curou os ferimentos, tinha grande capacidade de regeneração. 
Andrew fugiu e Sebastyan e os outros puderam então compreender porque ele era um lobo desgarrado: fraco e zombador, havia perdido direito de viver entre os de sua espécie. 
Tomaram o rumo de casa. 
Sebastyan sentou-se, enterrando-se na poltrona aborrecido e cansado daquilo tudo, com Fome também, mas desmotivado de mais. 
Começou a pensar nas palavras do lobo. Em quão desnecessária era sua existência. 
Tentou lembrar-se do passado, sabia que alguém lhe havia abraçado, não sabia, não lembrava, quem. Algum fanfarrão com certeza. Lembrava-se da dor terrível. De todas as dores, da loucura. Do sofrimento quando tentava comer o que antes comia...da Fome gigantesca com que havia despertado para essa nova "vida". 
Correu para a casa de Drye, desesperado, sem entender o que se passava. Matou muita gente naqueles seus primeiros dias, a Fome o fazia sugar o sangue até a ultima gota, não sabia ainda que podia poupar a vida de sua presa. Sim, mas Drye, correu para ela, pedindo abrigo, buscando ajuda. Entrou na casa pela janela; como vampiro, era dotado de uma leveza, uma agilidade, descomunais. Acordou-a deitando-se junto a ela... sim, ele se lembrava perfeitamente. Drye não se assustou , parecia conhecer seu destino, tocou-lhe o rosto de leve mas rapidamente, como reagindo a um susto afastou as mãos. Agora, só agora, Sebastyan entendia o por quê da reação, estava morto, tinha a pele fria. Deitou-se sobre ela, tinha o mesmo cheiro, doce, de alguns dias atrás e de quando eram vivos. Então, um clarão lhe veio a mente e notou que algo estava errado, a tinha toda em seus braços e desejava apenas seu sangue. A cabeça doeu forte e a Fome o ordenou que a mordesse, mas o medo, os fiascos de sentimentos humanos, falaram mais alto e ele fugiu. 
Uma semana depois Drye e Night apareceram, e o tem acompanhado desde então. Sebastyan pensava e pensava, e a cabeça cada vez mais doía e doía....como? Podia ter feito aquilo? Teria sido ele quem a abraçou? Em outra ocasião? Talvez não se lembrasse. 
Olhou para a serva que o observava já impaciente a alguma distância. Aproximou-se dela que respondeu baixando a cabeça e fechando os olhos. Sabia que ela havia sido muito importante um dia, mas já não era, já nada era tão importante quanto a Fome. 
Drye levou as mão ao rosto dele e sussurrou: 
-Frio....tão... - mas logo calou-se 
Sebastyan segurou as mãos quentes dela respondendo: 
-Morto, Drye, morto. 
Ela tornou a baixar a cabeça e os olhos, não tinha mais palavras, por cem anos não teve palavras nem forças para dizer nada. 
Sebastyan ordenou que ela se recolhesse. 
Ele , então, saiu da casa em silêncio e ajoelhou-se bem no centro do quintal, esperando...esperando o dia, o fatal nascer do sol. 
Drye acordou de repente. De um salto desceu da cama e correu para o quarto procurando-o. Chorava, não sangue, e sim lagrimas, salgadas e tristes como a água do mar. Correu pela casa. Quartos, sala, cozinha... quintal... 
Avistou Sebastyan da porta e correu ainda mais...jogou-se sobre ele querendo protegê-lo da luz dourada que ia aos poucos inundando o céu. 
-D...Drye...me desculpe...ac...acabei com sua vid...a... e sua eternida...d.... 
Drye abraçou-o, queria a todo custo que seu corpo "magro" projetasse sombra o suficiente, mas não foi possível. Logo o corpo de Sebastyan se transformou em cinzas. 
Night surgiu ao lado dela...que chorava como criança...lágrimas de verdade, não de sangue , mas de água...água do mar que ela nunca havia visto. 
O velho vampiro que observava a tudo de uma janela, protegido às sobras, falou baixo: 
-Muito bem Sebastyan....estou orgulhoso, deviam todos ter essa coragem, muito bem. 

quarta-feira, agosto 02, 2017

Playing Experience

Atualmente eu tive uma experiência complicada com um jogo. Eu pretendo postar sobre ela em breve mas antes que isso seja possível preciso fazer uma uma revisão sobre o motivo pelo qual eu escrevo 'Playing Experiences': Faz muito tempo que tenho interesse em pesquisar sobre RPG e desenvolvimento emocional. Desenvolvimento emocional básicamente tem ha ver com identificar corretamente as suas emoções e sentimentos e saber lidar com eles e expressa-los de forma adequada. Não necessáriamente de controla-los - até porque, existem dúvidas sobre quão possível (e saudável) esse 'controle' seria.

E intenção é tratar principalmente de emoções. A diferença entre emoção e sentimento é discutível, do ponto de vista neurológico emoções e sentimentos acontecem em regiões diferentes do cerebro. Como ninguém anda por ai com uma maquina de ressonância a distinção mais simples assume que emoções são mais intensas e menos duradouras que sentimentos. A emoção é a experiência afetiva no momento em que algo ocorre. Você toma uma cortada no transito e é tomado por uma emoção de raiva, ou de medo (susto). Não ha controle sobre o surgimento da emoção, só controle na forma como você expressa essa emoção ou como a comunica para os outros.
O sentimento é algo mais profundo, duradouro, que pode ser despertado expontaneamente ou por alguma memória, lugar, cheiro, etc. Enquanto as emoções são reações ao ambiente os sentimentos podem ser estimulados pelas emoções mas podem também ser reações à memórias ou crenças.  Para a Dr. Sarah Mckay "Emoções ocorrem no palco teatral do corpo. Sentimentos ocorrem no palco da mente", então algumas correntes entendem o sentimento como a "emoção após a consciência".

Um exemplo clássico são as crianças pequenas, em seus primeiros anos escolares, que por quererem muito a atenção de um colega do qual gostam acabam batento, puxando o cabelo, mordendo. Dando a entender para todos, inclusive o colega, que essas crianças se odeiam, quando na verdade a emoção em questão é oposta. Estão manifestando um desejo de atenção e não de destruição ou repulsa.

Depois podemos passar aos exemplos adolescentes; confundir dó com afeição, confundir atração com amor, confundir falta com raiva, etc. E claro que em muitos casos ambas, e outras, emoções podem estar presentes.

Coletar dados sobre isso é muito difícil. Por causa da falta de dados - e dos problemas tradicionais desse tipo de pesquisa -  eu comecei a escrever Playing Experiences. Na expectativa de que esses relatos venham a servir para uma pesquisa, minha ou de alguém, no futuro.

Os relatos atuais não estão bons e penso em como melhora-los. Talvez fazendo dois posts, um sobre o jogo e outro sobre a experiência emocional. O primeiro falaria sobre o desenrolar da história, o segundo sobre a experiência de joga-la.

Evidentemente que o contexto (história) esta relacionado à experiência emocional que temos ao joga-la. Além disso nós frequentemente sentimos a necessidade de explicar e justificar o que sentimos. É difícil fazer um relato emocional sem o contexto. Talvez eu devesse focar em descrever e relatar cenas especificas de experiência emocional mais intensa, sem toda a elaboração. Até porque os jogos que despertam mais emoções são os mais longos e mais complexos, onde existe mais intensidade na relação com o personagem.

Eu gostaria de gravar todas as sessões das quais participo mas me faltam recursos para isso atualmente, infelizmente. E isso envolveria a permissão de outros jogadores.

De qualquer forma, o principal intuito desses posts é guardar os dados para mim, ou para alguem que eventualmente pesquise a respeito. Embora o mundo do jogo seja de fantasia as vezes as emoções se manifestam como no mundo real, todos os indicadores químicos e neurológicos estão lá. É a questão da imersão. No final do jogo você sabe (deveria saber) que aquilo não é seu mas, potencialmente, sabe como é aquela emoção.

Essas experiências é que pretendo resguardar em Playing Experiences.

sábado, julho 29, 2017

Meu problema...

"Meu problema... é que eu não gosto de agenda. É que eu não quero marcar hoje algo para a próxima sexta. Sexta eu posso estar de mal humor, sexta eu posso estar na Pasargada.

Vamos fazer algo? Então vamos agora! Ou daqui duas horas. Não daqui dois meses. Daqui dois meses eu esqueci, a gente brigou, eu mudei, o mundo virou. Daqui duas semanas eu não sei. Daqui dois dias... talvez.

Mas agora; agora ou eu estou ou não estou! Inteiramente. Agora não existe a sombra do "queria que desmarcassem esse rolê".

O presente é a certeza, o passado é esquecimento e o futuro... quem sabe?"

sábado, julho 08, 2017

Normal?

Uma vez eu disse que gostava de uma coisa que eu não gostava. Eu fiz isso por "pressão social", para parecer normal, para encerrar o assunto uma vez que estavam insistindo em saber minha opinião mesmo eu já tendo dito que não me importava. Eu acabei respondendo qualquer coisa porque para os outros parecia um assunto tão natural e divertido, enquanto para mim fosse era algo entre desinteressante, tedioso e constrangedor.
O fato é que, entre as coisas postas, eu não tinha uma preferência e insistiram tanto que acabei respondendo uma delas. Improvisando inclusive o "por quê" da escolha - pura retórica.

Insistiram, queriam que eu participasse da conversa. Não acho errado. As vezes eu gostaria que pedissem minha opinião mesmo. Eu sei qu eu dificilmente vou falar se não for 'convocada a isso'.

Passou um tempo e uma pessoa envolvida no papo percebeu que tinha algo errado com a minha resposta nessa ocasião em relação às respostas que eu dava com maior frequência (eu frequentemente "não ligo"). De alguma forma a conclusão dela foi de que o comportamento frequênte era mentira e eu, de verdade, era a pessoa daquela resposta.

Foi a pior merda recente da minha vida! Mesmo!

sábado, março 11, 2017

Sobre sentimentos, intimidade e jogadores que "não conseguem lidar"

Era sábado. O jogo já estava rolando com o mesmo grupo a uns três meses. Religiosamente, todo final de semana. O Gustavo narrando, duas jogadoras e três jogadores. O grupo todo era de elfos do espaço, estilo spelljammer. Campanha longa que começou com o personagens se recuperando de um acidente de nave, sem memórias.
O contexto é pouco importante, o que importa é que os players conviviam a um tempo razoável. E que nessa de recuperar memórias referencias à campanha anterior (que havia durado pouco mais de um ano) foram aparecendo.

A personagem da outra jogadora tinha um - como dizem esses jovens - 'crush' (NPC) e eventualmente aconteceu a cena em que eles ficaram sozinhos trocando confissões e memórias do passado a cena podia, ou não, se encaminhar para um beijo e algo além e me parecia importante para definir a relação dos personagens saber como se comportariam a respeito dessas possibilidades. Me parece que a jogadora parecia interessada em fazer a cena, um pouco sem jeito mas interessada.
A mesa foi acometida de uma inquietação extrema, em especial por parte de dois jogadores. Rindo e fazendo piadas. "Vai", "Não vai", "Pegadora", "mas fulano não era seu filho adotivo?", falação que atravessava a cena, cortava o clima e deixava a jogadora sem jeito. As descrições foram substituídas por um "tem beijo sim" muito resumido.

Digo abertamente que se fosse eu jogando eu ficaria chateada. Os guris não gostam de cena fofa? Paciência, eu fico quieta e deixo eles jogarem seus combates, sequestros e eventuais torturas. Acho que se comportar na cena dos outros, por mais que ela não seja interessante, é o minimo. Uma coisa é eu ter vergonha de detalhar a cena por não estar confortável, tudo bem, resume e pula. Outra coisa é eu querer fazer a cena e não conseguir porque o grupo não consegue lidar com um beijo. 

segunda-feira, março 06, 2017

Playing Experience - Vasthara Alyae

Art by len-yan

Esse jogo começou com três jogadores. Aconteceu que um personagem morreu no terceiro ou quarto jogo, o respectivo player acabou saindo da mesa. 
Nesse evento eu me vi em uma mesa que tinha apenas duas jogadoras e cheguei a conclusão que era o momento de chamar outra jogadora.
O resto da campanha foi só com o narrador e jogadoras, mesmo quando tivemos participações especiais, sempre jogadoras.

Interessante porque eu sempre quis jogar um jogo só com garotas. Desejo atendido, eu também conheci o lado ruim dessa segregação.

Vamos falar da Vasthara. 

Vasthara é uma Wizard/Incantatrix. O jogo começou no nível 7 (quando os drow fazem seu ordálio e viram adultos) e minha personagem terminou no nível 13. Muito longe do que eu pretendia mas... faz parte. Pelo lado bom, essa campanha teve começo, meio e fim. A história ficou bem fechada e muito interessante.

Vasthara é a afilhada mais velha de Imrae Alyae. Sua mãe Miz'rey Alyae desapareceu em uma missão quando as filhas eram crianças. 
Junto com as irmãs, Maya e Ilyra, e as primas Anastrianna e Simikei (filhas da Khaless Alyae), Vasthara é mandada para as fronteiras de UndrekThoz, onde a pequena família Alyae pretende estabelecer sua primeira cidade
Parte do jogo é sobre as relações com as outras famílias da região e a complexidade politica de se estabelecer uma casa na sociedade drow.
Elkira, Belgos e Dan Alyae em edição especial de natal que foi
presente para o grupo. Arte da Sandra Messias.

Cada uma dessas personagens vai para a nova cidade com um guarda costas (e potencial "mate" já que é meio esperado que tenham filhos, ou não. O jogo teve várias conversas interessantes a respeito do matriarcado). Esses NPCs eram controlados pelas jogadoras durante o combate mas o narrador que os controlava o resto do tempo e fazia as falas deles.

Eu gosto de jogos com muitos NPCs (minha experiência diz que, no geral, as jogadoras gostam mais de NPCs do que os jogadores), na verdade eu posso ficar assistindo os NPCs agirem e quase não jogar, se bobear.
Resumo em dizer que eram três figuras interessantes; Elkira é um barbarian surtado, Belgos é um Lolth Touched que foi expulso da academia arcana levando alguns outros drow consigo no processo e acabou virando rogue e Dan é um guerreiro arqueiro bem sucedido comparado aos outros dois.
Uma peculiaridade da casa Alyae é que seus drow tem sangue de fada, a fundadora da casa era uma Gloura meio drow que tem trabalhado para aproximar a família, e os drow, da corte unseelie (minha personagem em uma campanha que jogamos anos antes). Com isso a família ganhou várias características feéricas, muitos dos seus membros tem asas, DR/ferro frio, spell like além das normais dos drow etc.

Uma parte do jogo era sobre controlar os machos malucos que estavam com o grupo. Amei, o Belgos era totalmente doido, imune a medo e inteligente. É o tipo de desafio social que eu gosto. A Vasthara estava mais interessada em outros NPCs, mais certinhos da cabeça, mas acho que chegamos em um acordo sobre isso. :P
Em um momento do jogo a Vasthara mandou uma carta para o Belgos, porque apesar dele morar na casa em frente conversar não era fácil, e a resposta veio rápida, acida e publica... incompreendido ele, tadinho.

Outra parte do jogo era sobre fazer alianças, em estilo Game of Thrones, já que eramos uma casa fraca, em ascensão e logo descobrimos que tínhamos um inimigo particularmente interessado em nos destruir (e os motivos só viriam no final do jogo). No meu ponto de vista as garotas foram tão 'normais' nisso quanto os caras. Sobrevivemos a coisas bem tensas mas fizemos bem poucos amigos, ainda matamos uns e sacaneamos outros no processo de sobreviver... faz parte, drow.
A Vasthara trouxe uns Armgo para a cidade, que acabaram se mostrando realmente uteis e no fim foram, de certa forma, a melhor aliança em alguns momentos, especialmente por serem uma família maior e mais intimidadora. Foi sorte, Vasthara os convidou por puro interesse no guerreiro não maluco e amigável deles, admito.

Sobre a experiência de jogo (ou, o ponto desse post):

Divulgação: Drow Treachery card by Mike Faille
Copyright Wizards Of The Coast LLC
Foi divertido. Muito divertido! 
Foi extremamente confortável jogar só com as meninas, muito. 
Ao contrário do que eu esperava ainda houve alguma inquietação para lidar com as relações dos personagens mas, de forma mais ou menos explicita, acredito que todas as personagens fizeram o que tinham que fazer. Cada um ficou sem jeito, do próprio jeito, nas próprias cenas sem que a intervenção do grupo atrapalhasse a possibilidade da cena. Em outro post eu conto o caso sobre isso que rolou no grupo misto e me incomodou muito.

Eu sou a pessoa chata que fica nervosa e ansiosa e atravessa o RolePlay dos outros. Foi mal! 
Isso só acontece porque o envolvimento com o personagem e com a situação é mais profundo que matar, pilhar, coletar XP e comprar item. Hurray!

Vasthara não conseguiu ter um bebê durante o jogo. Eu tentei.

Acho que para um jogo que envolvia administrar uma cidade esse jogo deu uma ótima sensação de lugar crescendo, causa e consequência e organização pública.
Na ultima sessão eu fui surpreendida com a possibilidade da Vasthara se tornar matriarca da família na região. A avó dela, e então matriarca, foi morta e Vasthara era a filha mais velha, da filha mais velha (no começo do jogo nos rolamos as idades das irmãs). Foi legal. 

sexta-feira, março 03, 2017

Sasayaki

Arte by Guweiz
Em roupas negras e já sem os mons é chegado o momento de uma última caminhada por Otosan Uchi, em direção ao portão norte. Deixar a inner city já revela contrastes que ela não observava a muitos anos. Sua rota faz um leve desvio, a noroeste há um pequeno distrito governado pelo Escorpião. Ali esconde-se um templo à Hofukushu, onde a samuraiko entra a passos ligeiros para rapidamente ajoelhar-se diante da estátua de estética sinuosa tipicamente escorpiã.


- O-Hofukushu-sama, por favor guie a minha jornada. Que os inocentes sejam poupados da minha ira para que ela possa recair toda sobre aqueles que compartilham o sangue e os modos de Mirumoto Onai. Eu não devo esquecer, ou perdoar, até que seja feita justiça que apazigue meu espírito.


Ela cumprimenta a estátua três vezes, em uma reverência que leva a testa até o chão, oferece um tablete de incenso, passa alguns instantes ali juntando daquelas forças que precisa para levantar e continuar uma viagem que será longa e desagradável. Após um último cumprimento retira-se em silêncio.


… … …


Chove, a água pesa nas roupas e parece tornar as cordas do waraji cada vez mais apertadas, ou talvez sejam os pés que estejam inchados da longa caminhada. As pernas doem. Já úmidas algumas mechas de cabelo escapam do jingaza. Era uma água fria que deixava as vestes  pesadas aumentando o fardo da carga. Estava cansada, odiava estradas. Se lembrava da sensação que teve quando criança, ao perder-se na estrada esperando voltar para casa depois de ‘fugir’ de Kyuden Bayushi. Fora resgatada por um bushi naquela ocasião. Naquela ocasião era uma criança do Escorpião.
Agora… sabe-se lá o que era agora. Um ronin cortesão pareceria apenas uma piada. Não importava o que quer que ela fosse e o que quer que fosse fazer, sabia que teria que fazer sozinha. Às vezes sentia-se tola, seu pedido para deixar o clã custava caro e lhe tolherá todas as possibilidades de uma viagem confortável. Ainda assim, sabia que havia feito uma escolha que era apenas sua, não queria ajuda. Outra parte de si ainda encontrava conflito entre proteger o Crane, ao deixá-lo para trás como havia feito, ou valer-se do dinheiro dele para alcançar o que desejava. Embora houvesse conflito, a decisão já estava feita, e o Crane não poderia ser implicado em o que quer que ela fizesse agora… nem o Escorpião.


Além do jingaza a água caia como uma cortina densa o bastante para nublar as formas da estrada. Os joelhos fraquejaram, tudo doía, conforme o corpo pendeu a mão foi obrigada a levantar-se encontrando apoio no tronco áspero de uma árvore. Doeu.
Virou-se apoiando as costas na árvore. Trazendo a mão junto do rosto via um arranhão. Não sangrava como ela esperava. A pele antes delicada já tinha os calos e a textura esperada nas mãos de alguém iniciado nas ‘artes’ da espada.
Fitou a própria mão por longos instantes, esperando, sentindo arder quando a água da chuva escorria por ali mas, nada de sangue.


Hokora é um pequeno santuário, em geral fica a beira das
estradas nas proximidades de grandes santuários. 
Quando levantou o rosto pode avistar um hokora ao lado da estrada. Ela se aproximou uns passos para encontrar ali os símbolos das sete fortunas. A visão foi o bastante para colocar-lhe  o âmago em chamas.
Correu para junto do pequeno santuário com raiva e força que pareciam provir do jigoku. As mão apoiadas na base do telhado, ela empurrou. A pedra balançou mas não cedeu. Ela rangeu os dentes em um grito de esforço que certamente poderia ser ouvido ao longo da estrada, e insistiu forçando até jogar o telhado no chão.
Podia agora olhar as estátuas, de cima, sem ter que se ajoelhar na estrada, apontou-lhes o dedo de forma acusadora e firme:

-Vocês! Vocês me abandonaram e abandonaram a verdade. Vocês viram tudo e deixaram aquilo acontecer!

Chutou as estátuas derrubando parte delas conforme as lágrimas lhe tomavam os olhos e se misturando a chuva. Continuava a derrubar as estátuas com chutes menos enérgicos, menos violentos a cada golpe, mas incansáveis. Continuou até que todas as sete estivessem no chão. A decisão na voz aos poucos era substituída por um notável desespero durante esse trabalho:

-Vocês mentiram. Vocês não estão olhando nada… não se importam com nada…


Viu as estátuas espalhadas no chão, não havia sobrado nada para derrubar, nada para dizer, e ainda assim seus sentimentos não estavam em paz. Conforme perdia as forças do momento não conseguia mais aguentar o peso das roupas e da mochila molhada nos ombros, a dor nas pernas e pés. Sentava-se lentamente, sem a elegância de antes, com o corpo escorado no que havia sobrado do hokora. E chorava, chorava copiosamente esperando que as lágrimas pudessem carregar para fora tudo o que sentia. Mas elas não podiam…

As Sete Fortunas